por Alessandra Saraiva *
“- Não gostaria de contar-me a verdade?
- …a verdade , tal como a arte, está nos olhos de quem a vê.
- Acredita no que quiseres e eu acredito no que eu sei.”
diálogo de John Cusack e Kevin Spacey,
em “Meia noite no jardim do bem e do mal”
diálogo de John Cusack e Kevin Spacey,
em “Meia noite no jardim do bem e do mal”
Esta pequena introdução reflete exatamente minhas modestas opiniões sobre quem vai vencer entre os indicados ao Oscar de Fotografia deste ano. É tudo uma questão de perspectiva... Para mim, cada uma das fotografias concorrentes poderiam ser definidas por uma palavra: textura, contraste, verde, sombras e luz.
"O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford”, por Roger Deakins. Quando comecei a ver o filme (leeento), me surpreendi com a beleza das imagens, e com as “bordas embaçadas” nas cenas usadas para delimitar os capítulos de flashbacks, mas algo me incomodava. Algo que eu não estava conseguindo captar direito. Como um comichão, que não te larga, sabe? Uma amiga fotógrafa percebeu rapidamente: “Esse filme é pura textura”. Acho que foi uma boa definição. Você não somente vê as cores do filme, você as sente. A textura dos campos de trigo, os bosques, a fumaça. Está tudo lá. Roger Deakins sabe como fazer um bom trabalho. Não é a toa que foi indicado por esse, e por Onde os Fracos Não Têm Vez. Mas se for para premiar Deakins, que seja pelo O Assassinato (...). Acho que todos sabem que, para realmente saborear um filme, o espectador precisa saber como entrar na história. E Mr. Deakins abre essa porta, convidando o cinéfilo a cavalgar com Jesse; a respirar a fumaça dos trens assaltados; a tocar os feixes de trigo em uma caminhada do personagem-título. Trabalho sensacional.
"Onde os Fracos Não Têm Vez", por Roger Deakins (again) - Antes que me joguem a primeira estatueta, eu sei que esse filme é dos irmãos Cohen; ta-ta-ta, sei que Deakins ama trabalhar com eles; e blá-blá-blá, sei que ele fez a fotografia de Fargo... Mas vamos ser sinceros. Vamos supor que você não tivesse essas referências e começasse assistir... a fotografia dele seria uma coisa assim “oh! que-coisa-mais-surpreendente-não-consigo-respirar-de-tão-bem-feita-que-é”? Qualé? Adoro o trabalho dele, meu preferido continua a ser E aí meu irmão, cadê você?. Mas se todo Da Vinci tem sua Monalisa, o mais recente filme dos irmãos Cohen não está para Deakins como Davi para Michelângelo. Achei competente o jogo de luz e sombras que ele enfatizou na primeira metade do filme, com o contraste entre os atores Josh Brolin e o Javier Bardem nas cenas de perseguição. Muito eficiente jogar bem com as cores das roupas dos personagens como contraste ao pano de fundo das cenas; e o deserto estava lá, em toda a sua aridez, secura, presente em cada centímetro da fotografia do filme. Mas não é essa coca-cola toda. Não mesmo. Roger Deakins merece o Oscar – mas não por causa dessa película dos Cohen. Mas é bem capaz de ganhar. Afinal, entra ano e sai ano, a Academia escolhe um filme “queridinho”, e adoooora enchê-lo de estatuetas, para ficar bem nos cartazes...
"Desejo e Reparação”, por Seamus McGarvey. Nunca, em toda a minha vida, vi um diretor de fotografia usar o verde dessa maneira. Eu confesso que não o conheço direito. Seus trabalhos anteriores, como As Horas, e A Menina e o Porquinho nada disseram muito sobre ele ou como amava esta cor. Mas nesta película, demonstra saber mesmo como usá-la. Suavizada nos bosques permeados pela luz do sol, onde James McAvoy suspira por Keira Knightley; ou aprofundada no vestido de jantar da atriz, a cor verde é como um humilde escravo submisso nas mãos de McGarvey. Na segunda parte do filme, onde temos o herói caminhando por campos destroçados pela guerra, o verde assume um tom quase triste, melancólico – dentro de um enquadramento absolutamente preciso. Gostei. Gostei muito.Nas cenas internas, que mostram a mansão onde viviam as personagens Cecilia (a magrela da Keira) e Briony (vivida pela atriz Saoirse Ronan), ele também dá show. Veja a cena delicada do enfeite de cabelo caído no chão, o brilho do objeto se projetando em meio a sombras e frestas de luz delimitadas por portas entreabertas, por exemplo. Ou a cena de Robbie e Cecilia na biblioteca, a sombra engolfando os dois, prendendo-os, até a luz penetrar, em uma perspectiva de mestre, destacando o casal no centro da prateleira de livros? Entretanto, o nosso bom Seamus foi o único, entre todos os indicados, que me fez lembrar de dois conhecidíssimos diretores de fotografia. Nas cenas internas, lembrei bastante do trabalho de Andrew Dunn, naquele espetacular filme de Robert Altman, Assassinato em Gosford Park. Nas cenas externas, paisagens, linhas de horizonte, bosques, lembram o Tony Pierce-Roberts, que fez Vestígios do Dia e Retorno a Howards End.
"Sangue Negro", por Robert Elswit. Todo mundo sabe que ele trabalha bem com preto e branco. Afinal, o cara fez Boa Noite e Boa Sorte, filmaço com fotografia de primeira. Mas até ver o que ele fez em Sangue Negro, eu não fazia idéia do tanto este homem sabe de sombras. E cara sabe muito. E quando digo muito, não estou dizendo muito, como “ah, o filho da minha tia é muito inteligente”, e sim “ah, o stephen hawking é muito inteligente!”. O nome em inglês do filme é There Will Be Blood, mas poderia ser There Will Be Shadows, tranqüilamente. O que é a cena inicial com o Daniel Day-Lewis na mina? Que sombras eram aquelas que dançavam pelo rosto e corpo do personagem, ao sabor da melodia tocada por Mr. Elswit? E as cenas das perfurações nos campos? Tem uma, particularmente, que me deixou pasma: quando os homens que trabalham para Plainview estavam no campo, mas era de dia, e eles estavam perto das sombras de árvores, ou de algum tipo de cobertura, não lembro direito. Os homens eram criaturas vestidas de negro, alimentadas pela sombra. Apenas se observavam as linhas dos corpos. Rostos, cor de olhos, cor da pele, tudo era tragado pelo negro. Ao fundo, o campo de petróleo, iluminado, intenso, representando a riqueza para os homens que trabalhavam, que não eram homens: apenas contornos de avareza, rodeando a verdadeira iluminação, o petróleo, rico, generoso, que se originava do campo. E tudo isso perceptível pela fotografia de Mr. Elswit. Ele captou a essência do personagem principal, e a transpôs. As sombras rodeavam Daniel Plainview, interpretado por Lewis, e a acompanharam até o final do filme. Sejam em planos abertos ou fechados, as sombras projetadas pela fotografia de Elswit tinham tanto carinho pela história que eram quase um alter-ego de Lewis. Sempre presente, sempre parte da história sobre um homem que queria demais. Espetacular. Mesmo.
Tenho que admitir uma coisa. Embora sem saber qual leva a estatueta, é claro que tenho um favorito. E por isso deixei este para o final. Sabe o que O Escafandro me lembrou? Uma história, que não sei se real ou inventada (e será que existe diferença, nos nossos dias?) sobre quando perguntaram para um fotógrafo (não me recordo o nome), o que era a fotografia. Ele respondeu: “Luz”. Se você gosta de fotografia, e gosta de fotografia e de cinema, não há como deixar de ver este filme. Porque o que Janusz faz, é um daqueles raros trabalhos que você fica feliz por alguém conseguir realizar, e triste por esse alguém não ser você. O tema do filme é uma coisa que ninguém diria que se possa arrancar uma fotografia fantástica. Editor de moda da revista Elle, Jean-Dominique Bauby, interpretado por Mathieu Amalric sofre um derrame cerebral e é acometido por uma doença chamada “síndrome de Locked-In”. Na prática, ele está consciente, seu cérebro funciona, mas ele está completamente paralisado, com exceção da pálpebra esquerda, que usa para se comunicar. Aí é de se perguntar, por que diabos uma fotografia de um cara entrevado na cama merece o Oscar? E eu respondo com as últimas palavras de Goethe: “Luz! Mais Luz!”. O cara consegue tratar a luz de maneira impecável. As cores são cuidadosamente usadas que é impossível remeter a qualquer filme “de hospital” onde a palheta é sempre voltada para o cinza, branco e marfim. Há uma cena, quando Jean-Do (como prefere ser chamado pelos amigos), observa as cortinas de seu quarto sendo balançadas pelo vento, ao mesmo tempo em que a luz atravessa o pano, de forma cálida, quase como se temesse rasgar o tecido. Impecável.
Sempre pensei que se ganhar um Oscar, seja em qualquer categoria for, é preciso oferecer a seus pares algo tão marcante e original, a ponto de ser utilizado como referência para os trabalhos posteriores. É claro que há anos os filmes não ajudam. Mas em 2008 os indicados estão realmente fazendo por merecer.
Se eu fosse a Academia, concederia a estatueta ao O Escafandro e a Borboleta. Pela originalidade e criatividade da fotografia – que nem sempre precisa premiar um filme que tenha uma sucessão de paisagens de bosques ou campos floridos. Fotografia no cinema não é quadro de Monet. Infelizmente acho que sou voto vencido, na enquete ao lado e na Academia.
Porque o filme é francês; porque já começou com birra da Academia, que não o indicou para melhor filme estrangeiro, entre outras razões.
Mas prêmio nenhum pode tirar o prazer de se ver algo tão bom, tão bem feito. É como comer aquela comida de infância que sua mãe fazia (lembram de Ratatouille?): algo raro, algo memorável, e que ficará brilhando em sua mente como um sonho bom que se gosta de lembrar em um dia cinzento. Por muito tempo.
* Alessandra Saraiva é jornalista, historiadora, e "sabe-tudo" de cinema, música e cultura pop.
Um comentário:
Postando rápido pois estou no trabalho...
Estou adorando o blog, sempre que tenho um tempinho livre entro aqui e fico lendo os posts, que são maravilhosos, muito bem escritos e de ótima qualidade. Assim como esse sobre o Oscar.
Espero poder contribuir para o crescimento do blog, que está ficando cada vez mais rico de informações sobre fotografia / arte.
Parabéns a todos os contribuidores!!!
Abraços, Rodrigo Schneider.
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