20 de fev. de 2008

Anacronismo disléxico

No Aurélio, dislexia é substantivo feminino que significa incapacidade de compreensão do que se lê, devida a lesão de sistema nervoso central.
Na leitura de Miguel Rio Branco, a palavra ganha outro sentido: "dys", que em grego quer dizer pouco, unido a "lexis", que quer dizer palavra ou linguagem. Nada a ver com doença, frisa o fotógrafo, que inagurou esta semana em Madri a exposição Dislecsia, assim mesmo, substituindo o x da grafia correta, sem maiores explicações. "A mostra é uma construção poética de imagens feitas em muitas épocas. A linha-mestra é o movimento, a vida, a morte. O tema principal sou eu mesmo", declarou.


A mostra já havia sido apresentada em em São Paulo um ano atrás, porém com metade das 100 fotografias que ocupam a Casa da América, até o fim de março, dentro da programação da Arco 2008. São imagens tiradas por Rio Branco nas ruas a partir de 1968, bem no início da sua carreira, e bem distantes das imagens que o aclamaram posteriormente, primadas pela cor. Daí, o anacronismo do título desta postagem.



Parece realmente algo tirado de uma outra época, completamente fora da atualidade e muito distante do que se conhce de Rio Branco e que pode ser conferido - em reduzíssima medida - no slideshow ao lado, na coluna In foco, que homenageia o artista este mês.





Quando houve a exposição Dislecsia no Brasil, o fotógrafo afirmou que a idéia era usar de maneira poética, novas maneiras de "construir com imagens, maneiras não descritivas e não lineares”: isso sim já demonstra a formação do que viria no trabalho de Rio Branco nas décadas seguintes.


"Meu trabalho nunca foi de contar histórias de maneira tradicional", disse a um repórter de agência internacional na abertura da exposição em Madri, lembrando palestra que havia dado em 2006 na semana FNAC de fotografia. Na época, fez menção a importância que a denúncia social é fundamental em sua obra, mas, sentenciou: é ainda mais essencial a interpretação da tragédia que se vê e com a qual não se concorda. Por isso, diz, evoluiu da fotografia mais documental para uma linguagem e interpretação mais poéticas. “Eu acreditava na fotografia documental como um elemento útil, de denúncia. Mas você pode mostrar tudo, que tudo é digerido muito rapidamente pelo sistema, porque sempre aparece algo pior”.



Assim como em toda a obra de Rio Branco, as imagens também não aparecem sozinhas. Formam uma narrativa entre si e também compõem um vídeo que pode ser visto no local ou aqui, por nós pobres mortais distantes da capital espanhola. Aqui também tem um vídeo amador com as imagens da exposição.

PS 1: Ainda sobre Rio Branco, tirei da tal entrevista dele na semana FNAC, o seguinte trecho: "A razão e o inconsciente tem que funcionar muito. Para mim só a razão não basta. Acaba tendo um trabalho dirigido e frio. O Brasil, por exemplo, é um país que tem muita gente de fora vindo para ver o que está sendo criado aqui, porque ainda tem uma parte muito de dentro das pessoas, não o que é ensinado no colégio. O artista é uma coisa obsessiva, essencial e interna. "


Isso para citar o trecho do blog de Marcelo Rezende Revista Bravo sobre a pergunta de um jornalista a artistas brasileiros em Madri, a respeito da Arco 2008:

Cansados?
"Vocês não estão cansados de serem sempre vendidos como sul-americanos, ou qualquer coisa assim, em um pacote?", pergunta a enviada do International Herald Tribune de Seul, Coréia, em um jantar oferecido pelas autoridades espanholas. A pergunta de base tem sido, nos encontros e atividades, invariavelmente a mesma: o que faz da arte brasileira, brasileira? Há uma curiosidade extrema em torno da massa de artes e artistas nacionais presentes em Madri. Na falta de uma resposta interessante, ao menos uma certeza: a de que a curiosidade é proporcional a um quase total desconhecimento. Cansados, não, respondem os artistas brasileiros. A resposta mais correta seria desesperados.

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